O meu marido e eu vivemos durante dez anos com Meishu- Sama no bairro de Kaminogue, distrito de Tamagawa, Tóquio. Recentemente, soube que, no Museu de Arte Goto, estava a decorrer uma exposição de tyagama (panela de ferro para ferver e conservar quente a água utilizada na Cerimónia do Chá). Eu e o meu marido fomos vê-la.
Esta seria a minha primeira visita a este museu, embora não tivesse sido construído recentemente. Além disso, estava muito feliz com a perspetiva de apreciar objetos artísticos. Só que, na verdade, estava ainda mais ansiosa por rever o bairro. Pensava: “Como estará o local da nossa antiga casa? E os arredores da propriedade do senhor Goto, os antigos vizinhos?”
À medida que o nosso carro se ia aproximando do seu destino, sentia o meu coração bater mais forte pela possibilidade de vislumbrar locais familiares: ruas, edifícios, alamedas… Tinha saudades daquele tempo querido.
Na realidade, aquela região estava a ser transformada numa zona residencial: ruas grandes e largas a serem abertas para todas as direções. Havia escavadoras e betoneiras por todo o lado, e quase mais nada que me fizesse recordar o passado: sentia-me uma forasteira desorientada.
De repente, avistámos a Escola Primária de Tamagawa, que tínhamos frequentado. O meu irmão exclamou, enquanto conduzia o carro: “Olha, é a Escola Primária de Tamagawa!”. Subitamente, veio-me à memória a nossa velha escola. Percebi que conservava a mesma estrutura de outrora, embora o seu aspeto descuidado me tenha desiludido um pouco. No entanto, fui envolvida por uma profunda nostalgia.
Depois passamos por locais conhecidos, como a antiga livraria, a tabacaria e a ponte perto da qual brincávamos. Pegamos uma avenida, antigamente deserta, que agora encontrava-se com um intenso tráfego. Através dela, chegamos ao lugar onde ficava o Hozan-so. No entanto, a casa não estava mais lá. O terreno havia sido loteado e se transformou numa área residencial de luxo, em que residiam algumas pessoas famosas.
Continuámos pela estrada durante aproximadamente cem metros, percorrendo um local onde antes, ao longo de uma sebe, existiam enormes cerejeiras, castanheiros e cedros. Estas árvores proporcionavam um ambiente de profunda tranquilidade, devido à sombra que formavam. Hoje, desapareceram sem deixar rasto: foram cortadas para dar lugar a uma rua comum, em cujo extremo, se ergue o Museu de Arte Goto.
Após estacionar e subir as escadas, entramos no edifício construído ao estilo do Período Fujiwara (900 1185 D.C.), chegando a um local em forma de “U”. À frente, havia um relvado; do lado direito, uma sala de exposições e, à esquerda, uma sala de conferências. Observando o jardim por uma larga porta de vidro, reparei que tinha sido construído num suave declive.
No passado, a topografia de toda a vizinhança era assim e o antigo Hozan-so não era exceção. Por isso, eu sabia que se seguíssemos em direção ao sul chegaríamos ao lugar do Fujimi-tei, residência de Meishu-Sama. Ele havia construído no final do declive um lago sobre o qual passava uma ponte de madeira em ziquezaque, inspirada num dos trabalhos mais conhecidos do famoso artista japonés Korin Ogata (1658-1716), o Yatsuhashi.
Antigamente, havia grandes árvores japonesas em volta do lago e elas tinham tornado esse local seguro e húmido, ouvindo-se o coaxar dos sapos escondidos nas suas margens. Tinha sido um lar para aranhas-de-água e larvas de mosquitos, tanto quanto um paraíso para as crianças. Hoje, parece-me estranho que Meishu. Sama, que apreciava ambientes luminosos, tivesse deixado este lugar completamente da forma como era. Talvez tenha sido pelo facto de Nidai-Sama querer que tudo permanecesse no seu estado natural, e Ele, sem opção, o ter deixado assim, cedendo à firme vontade da esposa o que é apenas uma suposição minha, mas faz-me rir só de pensar .
Desse lago, se subíssemos pelo caminho da esquerda, sairíamos em frente ao Fujimi-tei. Lá em cima, observando o lado oeste num dia claro, era possível ver o céu, amplo e infinito; olhando para baixo, víamos as plantações verdejantes, os canais de irrigação, as construções rústicas do campo e estradas de terra batida. Um pouco mais adiante, corria o luminoso rio Tamagawa e depois avistava-se a cidade de Kawasaki. Nos dias de sol, era possível avistar até a Cordilheira de Tanzawa, os Alpes Japoneses e o Monte Fuji.
Meishu-Sama adorava este cenário e, desejando apreciá-lo o tempo todo, construiu uma casa anexa, o Fujimi-tei, virada para oeste. Gostava tanto desta casa que suportava desde o calor forte e incessante do sol no verão ao vento gelado do inverno, que se infiltrava por todas as frinchas da casa, fazendo-O tremer de frio. Por isso, preferia viver ali do que na casa principal.
Ao pôr-do-sol de tardes belas e soalheiras, uma languidez envolvia lentamente as cidades; as aldeias e as montanhas distantes apresentavam-se nítidas e bem delineadas. O céu, que até então estava meio esbranquiçado, ia, de repente, ficando com uma cor rosada, espalhando-se sobre o firmamento. As nuvens iluminavam- se, destacando as suas orlas de ouro com um brilho deslumbrante, dominando todo o céu. Nesse momento, parecia que a Terra sustinha a respiração e a sua única opção era observar o grandioso espetáculo.
Hoje, compreendo a surpresa e a alegria que Meishu-Sama sentiu ao vir esse local pela primeira vez e como deve ter sido irresistivelmente forte o seu desejo de adquirir esse terreno de qualquer jeito, apesar de possuir apenas a décima parte da quantia necessária para a sua compra. Acredito que, mesmo nos dias de hoje, por mais que procuremos por toda a cidade de Tóquio, nunca conseguiremos encontrar um local tão paradisíaco como este. O meu coração ainda me dói ao recordar o sentimento de pesar de Meishu-Sama quando teve de abdicar do Hozan-so para adquirir o Pote de Glicínias (com que Ele tanto sonhava).
Sandai Sama
Reminiscências Sobre Meishu-Sama vol. 1